Contos, Fotos e Histórias do Marquês da Ajuda, Cacela e Sta Rita

domingo, maio 07, 2006

CONTO XVIII

Finalmente tínhamos chegado ao fim da explicação da morte, o capítulo ia-se encerrar com o último choro em presença do Venâncio Figueira estendido de braços e mãos sobre o peito no seu leito de morte.

Minha mãe chorava para explicar melhor como tinha morrido meu pai.
- Não adianta nada chorar - murmurou meu cunhado.

- Tanto que um patife daqueles a fez sofrer e ainda está a chorar por ele !
Eu não disse nada. Apeteceu-me esbofetear a boca donde saía a estrumeira das palavras dele. Como poderia ele entender suficientemente que minha mãe o amara a seu modo ? Temendo-o em cada gesto, em cada palavra, em cada pensamento. Em cada infidelidade que ele cometia. Apeteceu-me dizer-lhe:

- Covarde, infamemente covarde.
Que, em vivo, nunca teria a coragem de proferir tais palavras porque seria um genro abatido a tiro, a sangue frio.
Mas não disse nada. Apeteceu-me fechar aquele comércio de morte. Gritar a todos que meu pai não precisava deles para estar morto. Que lhe era indiferente que se devorassem uns aos outros com sorrisos de ódios.
Meu pai sempre soubera que os outros morriam e sempre resolveu esses problemas com a serenidade necessária a um acto natural. Sem sentimentos desnecessários. Sem desumanidades necessárias.
Sem representação teatral.
Sem ouvir.
Se ouvisse as palavras chorosas de minha mãe com relevos para as suas qualidades impossíveis teria dito:
- E as vezes que me injuriaste ?
Mas ali só existia a morte. A sua morte serena e tranquila. Repousante. Definitiva.
E o saque dos outros. Terrível. Luta acerada de abutres esfomeados. Provisório para eles e para os outros.

2 comentários:

Anónimo disse...

Adoro esta série de contos .
A homenagem póstuma a uma pessoa que, já se percebeu, te marcou de forma especial.

Que venham mais!

Beijos

Mité

AMS disse...

Os contos são ficção. A família que descrevo não existe nem existiu. Parece real porque identificamos algumas das personagens que nos povoam interiormente. De qualquer forma o contos não são do marquês mas do pai do marquês, contados ora á beira da lareira, quer de baixo de uma figueira, in illo tempore.