Contos, Fotos e Histórias do Marquês da Ajuda, Cacela e Sta Rita

segunda-feira, janeiro 23, 2006

CONTO XV

A Dina viria a casar em Olhão, num casamento a que obrigaram o marquês a ir, para ficar na fotografia e toda a vida comentarem o meu olhar triste, de ver a Dina com outro . O homem dela !. Na verdade há muito que o marqês deixara de amá-la, o que aconteceu quando a almofada passou a ter o aroma só de almofada, corada no ribeiro da Fonte Santa, e do ferro de engomar aquecido no carvão. Foi nesta memória que o pai do marquês justificava o seu:

O meu pai estava aborrecido comigo só porque reprovara no Liceu. Porque não era capaz de repetir as lições dos livros sensaborões e pesados para apanhar notas que me guindassem na sua consideração ou me levassem ao quadro de honra para depois se gabar aos amigos :
- O meu filho é um granade aluno !
Dessa não se gabava ele. Se, estudar, conhecer as pessoas, os seus defeitos encantadores, gostar das pessoas e das coisas, gostar do sol, gostar de brincar até esquecer tudo eu poderia garantir-lhe que ele seria o mais honroso pai de Venda Nova. Gabar-se da minha escravidão, isso nunca . Ele tinha razões. As suas razões. Mas eu tinha as minhas e essas é que seriam realmente importantes para mim, conforme ficariam afirmadas por um passado vergonha dele e aceitação minha excluidas todas as filosofias.
Tinha catorze anos e essa idade era mais importante que todos os conceitos velhos de meu pai, com quem não estava de acordo. Embora ele os tentasse impôr com a fúria das suas crenças.
Era injusto comigo. Era injusto com toda a gente que precisava dele, especialmente os trabalhadores. Precisava mais deles do que julgava. Trinta anos depois lamentar-se-ia que não tinha quem quisesse trabalhar no campo e que as terras não dariam rendimentos mas canseiras e sofrimentos só porque o progresso se impusera com as suas garras a estrangular as antiguidades transmitidas de pais a filhos.
No tempo do meu avô as coisas eram sem diferentes. Havia sempre quem trabalhasse e as pessoas faziam-no com gosto embora os trabalhos do campo já fossem duros.Mas ele deixava os trabalhadores à vontade para que cada um se julgasse um pouco dono daquilo que, afinal, não lhes pertencia nem nunca lhes pertenceria.
Segundo contavam os trabalhadores mais antigos meu avô costumava dormir quando os trabalhos se acumulavam. Os trabalhadores resolviam à sua maneira o que mais convinha e, quando acordava, metade dos problemas já estavam resolvidos e bem por que as pessoas entregues a si próprias se tornavam mais conscientes. Muito mais do que quando eram compelidos a fazer as suas obrigações, sem que as compreendessem, com a ameaça de chicotes silvando torturas no pensamento ou despedimentos para atirar a família à miséria mesquinha de morrerem inativos.

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