
E o pai do marquês continuou:
Aos catorze anos eu não era, ainda, ninguém. Apenas uma criança inocente em suas virgindades. Gordo em suas carnes sadias onde começavam a desenhar-se os músculos e os traços masculinos. Cara rosada como se tivesse sido agredido pela juventude e olhos papudos onde brilhavam esperanças e muitas outras coisas que nem eu sabia, exactamente .
No lábio superior começaram a surgir cabelos negros a ameaçarem-me com um futuro bigode e as patilhas desciam cada vez mais, encostadas às orelhas, com o rumo do pescoço.
Estávamos em Julho e tinha regressado a casa depois de ter reprovado, com o maior êxito, no segundo ano do liceu.
Iria fazer, dai a meses, os quinze anos, se meu pai não me tirasse a pele, como dissera, logo no principio do ano escolar.
- Andas à boa vida mas eu tiro-te a pele se chumbares outra vez !
Pela ordem de ideias do meu aproveitamento escolar já seria a segunda pele a extrair de mim se ma tivesse tirado da primeira vez. Para fazer face à minha aplicação o melhor seria, para mim, possuir um bem fornecido stock de peles.
Minha mãe, quando cheguei a casa e lhe dei a noticia com o sorriso de pessoa a sentir-se esfolada, ficou muito preocupada e disse:
- E agora o que vais dizer ao teu pai ?
Isso também eu não sabia exactamente, mas respondi :
- As coisas correram-me mal...
- Eu nem o quero ouvir.
- Não se preocupe, mamã, que o problema é meu.
- Pois é ! Mas o teu pai diz sempre que eu é que tenho a culpa. Eu nem o quero ouvir !
E num desabafo, com as mãos postas na cabeça disse :
- Estes moços só me dão dores de cabeça !
Tive pena das dores que minha mãe sofria por mim. Depois pensei que ela estava a lavar as suas mãos, como Pilatos. Sabia que teria de me defrontar sozinho com o meu pai, como era costume, pois, como toda a gente que tem mãos e as lava, ela ainda tinha mais medo dele do que ninguém.
Resolvi encarar a realidade de frente, admitindo que ela tinha lados, e fui à procura de meu pai que andava junto dos trabalhadores, na horta. Cavavam o terreno onde se plantariam as batatas doces.
Se ele me batesse desalmadamente o Ceroilas, o Babão ou o Cagatilhos, me tirariam de suas mãos e evitariam, certamente, um crime desnecessário, ou um esfolamento a frio com requintes de malvadez e de vinganças para liquidação das minhas faltas.
Quando cheguei junto de meu pai e disse “ Bons dias “ os trabalhadores responderam à minha saudação e isso deu-me uma certa satisfação embora o meu pai tivesse ficado calado, a aguardar que acabassem as delicadezas, para me interpelar:
- Então, o que me dizes ?
- Tive azar.... - disse eu, quase sem me ouvir e a tremer por dentro com medos vagabundos a percorrerem às cegas o miolo do que eu era.
- Tiveste o quê ? Explica lá isso melhor.
- Correrram-me mal as coisas. . .
- Correram-te mal ?
- Sim, senhor.
Como meu pai tivesse ficado calado achei-me na obrigação de lhe explicar o que tinha corrido mal e disse :
- Esperava que o professor de francês me desse nota para passar e não deu...
No lábio superior começaram a surgir cabelos negros a ameaçarem-me com um futuro bigode e as patilhas desciam cada vez mais, encostadas às orelhas, com o rumo do pescoço.
Estávamos em Julho e tinha regressado a casa depois de ter reprovado, com o maior êxito, no segundo ano do liceu.
Iria fazer, dai a meses, os quinze anos, se meu pai não me tirasse a pele, como dissera, logo no principio do ano escolar.
- Andas à boa vida mas eu tiro-te a pele se chumbares outra vez !
Pela ordem de ideias do meu aproveitamento escolar já seria a segunda pele a extrair de mim se ma tivesse tirado da primeira vez. Para fazer face à minha aplicação o melhor seria, para mim, possuir um bem fornecido stock de peles.
Minha mãe, quando cheguei a casa e lhe dei a noticia com o sorriso de pessoa a sentir-se esfolada, ficou muito preocupada e disse:
- E agora o que vais dizer ao teu pai ?
Isso também eu não sabia exactamente, mas respondi :
- As coisas correram-me mal...
- Eu nem o quero ouvir.
- Não se preocupe, mamã, que o problema é meu.
- Pois é ! Mas o teu pai diz sempre que eu é que tenho a culpa. Eu nem o quero ouvir !
E num desabafo, com as mãos postas na cabeça disse :
- Estes moços só me dão dores de cabeça !
Tive pena das dores que minha mãe sofria por mim. Depois pensei que ela estava a lavar as suas mãos, como Pilatos. Sabia que teria de me defrontar sozinho com o meu pai, como era costume, pois, como toda a gente que tem mãos e as lava, ela ainda tinha mais medo dele do que ninguém.
Resolvi encarar a realidade de frente, admitindo que ela tinha lados, e fui à procura de meu pai que andava junto dos trabalhadores, na horta. Cavavam o terreno onde se plantariam as batatas doces.
Se ele me batesse desalmadamente o Ceroilas, o Babão ou o Cagatilhos, me tirariam de suas mãos e evitariam, certamente, um crime desnecessário, ou um esfolamento a frio com requintes de malvadez e de vinganças para liquidação das minhas faltas.
Quando cheguei junto de meu pai e disse “ Bons dias “ os trabalhadores responderam à minha saudação e isso deu-me uma certa satisfação embora o meu pai tivesse ficado calado, a aguardar que acabassem as delicadezas, para me interpelar:
- Então, o que me dizes ?
- Tive azar.... - disse eu, quase sem me ouvir e a tremer por dentro com medos vagabundos a percorrerem às cegas o miolo do que eu era.
- Tiveste o quê ? Explica lá isso melhor.
- Correrram-me mal as coisas. . .
- Correram-te mal ?
- Sim, senhor.
Como meu pai tivesse ficado calado achei-me na obrigação de lhe explicar o que tinha corrido mal e disse :
- Esperava que o professor de francês me desse nota para passar e não deu...
Estava a impingir a injustiça do professor para justificação do meu fracasso.
- Mas tu andas a estudar ou a pedir ?
- A estudar. . . - disse eu a ver ruir a esperança de me defender com a incompreensão ou a incapacidade dos outros.
- Não me parece. Andaste todo o ano a polir as calçadas de Faro. Não foi isso ?
- Eu estudei . . . .
- A continuares assim vais ter um futuro lindo - disse meu pai com seus ares de muitas dúvidas no meu futuro. - Hás-de ser outro Paneiro. . . ou um Arturinho.
Primeiro fiquei estarrecido com a profecia de meu pai para o meu futuro de quedas nas desgraças dos outros, depois fiquei danado.
Esperava que meu pai me batesse com todas as suas fúrias capazes de me tirarem a pele das suas promessas, esperava que me desse uma bofetada que modificasse o lugar das coisas na minha cara, esperava que me dissesse que depois faria contas comigo, mas não esperava que me comparasse com párias que não tinham eira nem beira, que não tinham a consideração de ninguém e a quem também ninguém considerava.
Eu tinha pai e mãe. Irmãos e irmãs. Uma família mais que completa constituida com todos os preceitos legais. O Paneiro ou o Arturinho não tinham ninguém.
Eu era filho dum homem rico. Andava a estudar em Faro com outros meninos ricos e bem vestidos. As responsabilidades da minha educação e dos meus estudos recaíam sobre os meus pais pois que para isso é que os tinha.
Admitia que meu pai me batesse como tinha prometido no principio do ano, mas não podia admitir que ele me profetizasse um futuro igual a quem não tinha futuro nenhum como esses desgraçados que meu pai dissera. E do Zé Melão, do Ruana e do Ratinho, que estavam presos a um destino a que não podiam fugir ou que talvez não quisessem fugir.
Eles eram para mim as maiores e as mais interessantes personalidades e se eu pudesse queria ser toda a vida como eles. Mas não gostava mesmo nada que meu pai me ameaçasse com o futuro da desgraça dos outros.
- Mas tu andas a estudar ou a pedir ?
- A estudar. . . - disse eu a ver ruir a esperança de me defender com a incompreensão ou a incapacidade dos outros.
- Não me parece. Andaste todo o ano a polir as calçadas de Faro. Não foi isso ?
- Eu estudei . . . .
- A continuares assim vais ter um futuro lindo - disse meu pai com seus ares de muitas dúvidas no meu futuro. - Hás-de ser outro Paneiro. . . ou um Arturinho.
Primeiro fiquei estarrecido com a profecia de meu pai para o meu futuro de quedas nas desgraças dos outros, depois fiquei danado.
Esperava que meu pai me batesse com todas as suas fúrias capazes de me tirarem a pele das suas promessas, esperava que me desse uma bofetada que modificasse o lugar das coisas na minha cara, esperava que me dissesse que depois faria contas comigo, mas não esperava que me comparasse com párias que não tinham eira nem beira, que não tinham a consideração de ninguém e a quem também ninguém considerava.
Eu tinha pai e mãe. Irmãos e irmãs. Uma família mais que completa constituida com todos os preceitos legais. O Paneiro ou o Arturinho não tinham ninguém.
Eu era filho dum homem rico. Andava a estudar em Faro com outros meninos ricos e bem vestidos. As responsabilidades da minha educação e dos meus estudos recaíam sobre os meus pais pois que para isso é que os tinha.
Admitia que meu pai me batesse como tinha prometido no principio do ano, mas não podia admitir que ele me profetizasse um futuro igual a quem não tinha futuro nenhum como esses desgraçados que meu pai dissera. E do Zé Melão, do Ruana e do Ratinho, que estavam presos a um destino a que não podiam fugir ou que talvez não quisessem fugir.
Eles eram para mim as maiores e as mais interessantes personalidades e se eu pudesse queria ser toda a vida como eles. Mas não gostava mesmo nada que meu pai me ameaçasse com o futuro da desgraça dos outros.
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